IV

Eugénia sentara-se à mesa, colocando o vidrado prato no individual plastificado. Não havia qualquer aptidão para escolher o mais acertado, nem mesmo o mais belo, priorizando anteriormente o que deitava, em abundância, na panela, sal ou temperos, açúcar ou óleos prejudiciais, para depois limpar, de forma eximia, com os últimos produtos do mercado, depois de horas gastas a comparar preços, as gorduras da cozinha.

Ao ruminar a comida, a uma velocidade desnecessária, acompanhando com um revirar de olhos perturbado, falava de boca aberta para o grosseiro do marido, que limpava ao guardanapo a cara suada e o nariz com secreções:

– Está muito bom, não está? – perguntava, de todas as vezes, com uma voz demasiado elevada, ansiosa e insegura, bem sabendo, no entanto, que não era boa a quase nada e que podia resumir-se, como pessoa, à comida e ao odioso marido.

– Nem por isso… Já fizeste melhor. Está como pedra! – com o braço tatuado e a mão volumosa levava à boca a colher do doce, com demasiado apetite para o momento final da refeição, contrariando com os atos o que acabara de afirmar.

Nada estava bem para Armando, pois sentia a fraqueza e indecisão de Eugénia, de todas as vezes. Dizer mal da mulher, fortalecia-o como homem pouco culto e intolerante.

– Mas comes… não estará muito mau! – riu-se, nervosa e inquieta, coçando-se e levando os dedos ao nariz, para cheirar a cebola e a alho entranhados nas unhas, rentes à pele, de um verniz prateado, lascado na pintura, bem como a gordura do próprio cabelo, necessitado de rolos.

– Põe-te fina, mulher! – repreendeu-a, bruscamente, o ignóbil.

– Credo, home, tu estás impossível hoje! – referiu, para apaziguá-lo.

– Claro que estou impossível… Um dos nossos empregados meteu baixa, anda muito stressado agora…

– Não pode ser!

– Pode, pode. Lá vou eu e tu, que remédio, trabalharmos ainda mais horas…

– Logo agora que eu pensava pedir-te para não fazer o turno da tarde…

– Porquê, mor? – perguntou-lhe, bem mais calmo.

– Temos um cliente muito estranho… Depois da hora do almoço até ao lanche, mais ou menos.

– Estranho, como?

– Não tem parte do cérebro, não tem braço, não tem perna, no entanto é muito elegante, está bem de vida, fala quase todas as línguas…

– Realmente… Que homem mais estranho. Como pode ser assim se lhe falta quase tudo…

– Sim, depois diz que come vento, mas sempre chega a tempo para o chá das cinco.

– Ora, come vento… que disparate! Tu acreditas numa pessoa assim?

– Devias ouvi-lo, fala melhor do que o primeiro-ministro.

– Para onde vai?

– Vem e vai para o prédio da casa do meu irmão. Anda às voltas a tarde toda pela cidade até à hora que te disse.

– Tu estás tolinha, só pode! Do prédio de casa do teu irmão, que coisa mais foleira. Dizes tu que o freguês é rico!

– É, é. Só pode. Paga bem, fala bem e é tão bem vestido.

– Cá para mim, quem tem falta de meio cérebro és tu. Não regulas desde que o Álvaro faleceu…

– Não digas isso, home. Estou muito bem…

– Não sei, não… – mencionou, duvidoso.

– Estou bem! Já disse! – gritou para impor-se, pouco crente nas razões da mente obscura e deficitária.

– Calma, prontos… Se estás bem, estás bem. Tanto melhor. Agora não precisava nada de ter de gerir mais uma falta na empresa… – afirmou, bastante contrariado.

– E o turno da tarde, podes fazer?

– Eu? Claro que não. Então não estás bem? Bebe muito chazinho, que é o que te falta de pequena.

– Olha quem fala! – respondeu-lhe com desdém.

O corpo de ambos levantou-se com o peso no chão, fazendo ranger as tábuas do soalho, da porta à janela, movimentando as louças da cristaleira. Armando, sem nenhuma saudade guardada, rapidamente meteu as chaves no casaco e desapareceu da sala de jantar. Eugénia correu dali para a cozinha, limpando em suor a face ao lenço de papel, escondido no abonado decote, onde tornou a escondê-lo como a um medalhão ou a um broche preciosos. Depois, com tudo no lugar, olhou o tempo no relógio, bem mais apressado do que o que olhava no táxi, metendo-se dentro da cápsula, presa ao assento, para mais uma viagem, rezando à virgem protetora, que baloiçava, como um boneco de molas.

CONTINUA