Aos grãos dourados de areia, trouxeram um dia as ondas do mar uma concha.
A concha era branca e acastanhada, desenhada na perfeição em espiral, macia ao toque no interior, com um buraquinho na extremidade.
Quando subiam e desciam as marés, o seu lugar e a vizinhança alteravam-se, ficando mais ou menos coberta pelo manto que, por ordem do vento, desaparecia para depois tornar a aparecer. Claro que a concha preferia passar despercebida, camuflada na areia e solitária, incomodando-lhe a ideia que pudessem tocá-la, movê-la novamente de sítio ou parti-la. Chamou, porém, a atenção a outra concha:
– Tu, como te chamas? És nova por aqui?
– Nova não diria…. Estou praticamente encalhada nesta praia como um barco que não navega. Mas até prefiro assim, que não me mexam muito. Conhecemos bem o tempo a passar…
– Não há dúvida, chuvas miudinhas, fortes tempestades… A manhã está hoje a nascer serena. Vai estar sol, não teremos frio, por certo, nem nenhum desconforto, espero…
– Que grande disparate! Não falava nesse tempo, falava no tempo que os humanos controlam sempre nos telemóveis! Agora até andam com relógios enormes, ouvi dizer que são eletrónicos.
– Disparate é o meu nome do meio… – riu-se, afirmando visivelmente corada: – É mesmo verdade, o meu nome é Leonilde Disparate Capitolina.
– Olha, tu quiseste saber há pouco… O meu é Anacleta.
– Olá, meninas! Eu sou a alga… Chamo-me Deolinda. Tenho um gosto enorme por aqui estar ao pé destas rochas negras e na vossa presença.
– Muito prazer, deste uma cabeleira verde muito interessante à Leonilde.
– Sim, tenho sorte que o mar me mova até vós. Na verdade, dou-vos um bonito cabelo, outras vezes vestidos longos. Andam por aí outras… não são como eu, podem ter a certeza.
– Sim, já tive uma castanha escura, mais encaracolada. Parecia uma louca.
– Louca é o teu nome do meio… Leonilde Louca Capitolina!
– Bem, estás é com inveja que não te tenha calhado a ti…
– Olha que não, sinceramente não gosto de experimentar perucas como tu gostas, fazem-me cócegas.
– Aventura é o meu nome do meio, isso sim!
O silêncio era interrompido pelas pequenas ondas do mar que batiam nas rochas e pelas gaivotas, que desenhavam círculos indecisos no céu azul, sem uma única nuvem. A conversa continuava animada, mas num tom baixo, para não contrariarem a tranquilidade da praia.
– Aquela gaivota rendeu-se, hasteando uma bandeira branca na areia.
– És envergonhada, porém pareces uma poetisa, uma concha sensível esta minha amiga! O que queres dizer com isso?
– Simplesmente que largou ali aquela pena!
– Está bem, não entendia.
– Queres mais? Espera… deixa ver…
– Então?
– Calma, preciso de pensar. Nem sempre se está inspirado.
– Já percebi, cá para mim foi uma para nunca mais…
– Para aquele barco, o mar é uma folha de papel onde é pintada uma linha contínua de espuma.
– Observadora… nem tinha reparado no barco.
– Pois, mas a cabeça não é só para usar cabeleiras verdes!
– Não me ofendas! Eu sou bastante inteligente.
A alga, que dormitava, reagiu:
– O quê? Quem é inteligente? Eu, pois claro.
– Ninguém falava de inteligência, mas observação e criatividade.
– Sim, sim, aqui a nossa amiga é realmente perita, alga. Queres ver…. Anda lá, diz outra. Aposto que não consegues!
– Hum… A bandeira verde que esvoaça ligeiramente é um cachecol que aquece o vento.
– Isto é giro. És uma castiça! Devia ter-me mantido acordada…. Quantas perdi?
– Eu sei lá, nem as contei.
– Foram umas duas ideias, talvez…. Mais a que ouviste! Só mais uma, por favor…
– Estou a ficar seca, literalmente…
– Estamos… a maré está muito vaza.
– Bem, o menino é um equilibrista, trazendo na mão o balde com o mar inteiro!
– O quê? Que menino?
– Sim, não vês? Está ali um menino.
– Depois deste, mais pestinhas começarão a chegar… – mencionou Deolinda.
– Costuma ser sempre assim…
– É oficial… A nossa paz terminou.