Nos primeiros dias no oceano, Luís entusiasmava-se com cada detalhe. O navio era enorme, com alguns quartos, salas de estar, de jogos e de jantar. Calhou-lhe o quarto número um, o único passageiro presente para além da tripulação.
Na proa, Luís via o pôr do sol, repousando na cadeira, assim como espreitava as tartarugas, os golfinhos, as baleias, amigos que não lhe falavam, porém animavam-no por nadarem com as ondas maiores, que por vezes o temperavam de sal.
O sol refletia-se na linha da água, de uma imensidão que não terminava, assustando-se um pouco com a sua beleza, pois, tal como o arco-íris, parecia não ter um início ou um fim.
Como uma girafa, esticava o pescoço para olhar melhor as aves marítimas, as gaivotas, os guinchos, os corvos marinhos, disfarçando o tédio que, entretanto, aparecera.
As noites tornavam-se cada vez mais difíceis, tantas saudades de casa sem o aconchego dos pais antes de dormir.
Resistente ao sono, com a imaginação a funcionar em pleno, aproveitava para ler novamente o livro, apesar de ainda não o entender muito bem.
Apontava depois algumas palavras de que gostava no pequeno bloco de notas que guardara na mala, para no dia seguinte ilustrar, inspirado, o que lia, colorindo inúmeras folhas com os marcadores e os lápis.
Inventava histórias, para além daquela, que depois lia em voz alta, para se ouvir sempre que estava sozinho. O silêncio excessivo incomodava-o, assim como o barulho que antes ouvia na cidade.
Entretanto, fez amizade com uma cozinheira asiática, Dinamene, que lhe servia refeições muito saborosas e abundantes.
– Olá, Diná… – tratava-a sempre de uma forma muito carinhosa.
– Olá, Luís…. Deixa ver o que apontaste ontem…
– Apontei apenas as palavras difíceis. Saberás o que significam? Davas-me uma grande ajuda!
– Se eu souber, será um gosto enorme ajudar-te… Eu sou de Macau. Os meus avós paternos de Goa…. Conheço o português.
– Já ouvi falar de Macau… De Goa, nem por isso. Onde fica?
– Fica na Índia. É o destino final da nossa viagem. Em seguida, apanharás um avião para Portugal na companhia do comandante. Mas, ainda falta muito para lá chegarmos…
– Isso entendi eu. Que desespero!
– Calma, ser paciente é uma virtude.
– Como posso ser paciente, Diná? Por aqui só há oceano e mais oceano…. Apenas um simples livro, mas não há dicionários, bibliotecas ou internet…. Está tudo cortado para não termos acesso a vídeos ou a telemóveis.
– Eu concordo! E o tempo para estarmos com os nossos pensamentos?
– Eu assim não sei as novidades do futebol e dos desportos motorizados, não é? E se o Ronaldo ganhou uma nova taça de ouro?
– Não sei, mas já tens um livro dourado que reluz imenso e até navega contigo!
– Sinceramente não é uma taça do mundo! E os meus pais, gostava muito de os ver…
– Compreendo que estejas triste. No entanto, os teus pais acompanham-te sempre, mesmo à distância, não te aflijas!
– A sério?
– Sim, o comandante tem mandado atualizações sobre o estado da viagem.
– Não sabia.
– É verdade. Queres saber algo que também não sabes?
– Evidente.
– Hoje é um grande dia.
– A sério?
– A sério, a sério… – bem-disposta, acrescentou: – Vamos todos sair para conhecer Cabo Verde!
*
Luís e Dinamene aproveitaram o banho de mar relaxante, deitando-se em seguida na areia, sentindo o calor de Cabo Verde.
Uns meninos brincavam com uma bola, onde guardavam toda a brincadeira dentro, explodindo de alegria sempre que davam mais um chuto. Por vezes, experimentavam a água morna, interrompendo o jogo.
A dada altura, apercebendo-se da existência de pessoas não africanas, quiseram conversar, agindo como crianças que sempre descomplicam o que é simples.
– Olá, vieram naquele barco? – perguntou o mais pequeno do grupo.
– Viemos… fazemos a viagem desde Portugal. A Diná faz parte da tripulação, mas é de Macau.
– Estão de férias?
– Não são bem umas férias…
– Então o que é?
– Uma missão. Eu fiquei de trazer este livro, que me acompanha, a navegar. – mostrou-o, tirando-o da mochila.
– Como? Um livro navegante?
– É verdade. Um livro que descobre novas pessoas de diferentes países e que, por sua vez, descobrem esta história.
– Parece um livro muito rico. É dourado e tudo.
– Contaram-me que é um dos livros mais importantes de Portugal, talvez até o mais importante…
– Meninos, estou certa de que a sua importância vem de dentro, não por ser dourado… – referiu Dinamene, sorrindo.
– É, ando há dias a tentar compreendê-lo melhor. Querem lê-lo?
– Ainda não sabemos todos ler.
– Não sabem? Mas não há escolas em Cabo Verde?
– Haver há, mas são longe ou não são muito boas.
– Ainda se queixam do recreio da minha escola e do quarto de banho…
– O que há no recreio da tua escola?
– Tantas coisas para brincar… Um campo de jogos, baloiços, escorregas, uma parede de escalada.
– A sério? És um menino cheio de sorte.
– Nunca tinha pensado muito sobre isso, mas talvez tenhas razão.
– Tenho, pois.
– As nossas escolas nem estão acabadas… – acrescentou um dos mais velhos.
– Meninos, numa escola o que mais importa é o que se aprende dentro dela.
Mantiveram-se por uns segundos em silêncio, refletindo.
– Querem que eu vos leia a história?
– Sim!!! – exclamaram em uníssono.
– Bem, então cá vai…
As crianças sentaram-se todas na areia, rodeando Luís e escutando, com muita atenção, o que lhes contava. Os olhos brilhavam, maravilhados com a articulação das palavras ditas em voz alta.
Terminada a leitura, perguntou-lhes:
– Então?
– Parece a mesma aventura que tu estás a viver.
– Não tinha pensado sobre isso, mas tens razão!
– Achas que podes dar-nos cópias do livro para que eu o leia a outros amigos?
– Boa ideia! Podes ajudar-me, já que sabes ler? Tenho para aqui umas folhas que posso arrancar do meu bloco.
Deitaram-se na toalha de praia, a escrever. Pouco antes de terminarem, um apito do navio chamava Luís e Dinamene para o regresso. Despediram-se das crianças, satisfeitos por lhes terem dado a conhecer um livro muito especial.
Beatriz Meireles
Junho 2024