Cristóvão regressava todos os dias à praia com Anacleta, que se mantinha calada e assustada, presa ao fio de prata.

Com as marés, Leonilde e Deolinda estavam outra vez juntas, planeando formas de recuperarem a amiga. Não seria uma tarefa fácil, pois estariam sempre dependentes da ajuda do mar ou de outros humanos para se moverem, sem barbatanas como têm os peixes.

Anacleta reluzia sem quaisquer areias, o que causou alguns comentários:

– Já viste como brilha?

– Sim, Deolinda…. Dá vontade de sermos levadas para casa de alguém…

– Sopra as areias para ficares limpinha…. Estou verdinha, verdinha…

– Olha… Agora o miúdo enche-a de creme protetor.

– Como se a Anacleta precisasse…. Coitadinha, não queima, nem bronzeia…

– Ainda tens vontade de ir para casa de alguém?

– Pensando bem, não… Ainda me comem…

– Agora tirou-a do fio e deitou-a na toalha… Tapou-a com um lenço de papel, como se estivesse frio.

– Credo, chama-a de Aninhas. Aninhas isto e Aninhas aquilo…

Riram-se, com algum nervosismo, da situação caricata.

– A Aninhas vai agora ao mar… Quieta é que a criança não está, tem pilhas. Tirou-a da toalha, colocou-a ao peito…

– Aninhas!?

– Enganei-me… Anacleta, claro…. Perdoa. Pode ser que se desprenda do fio com as ondas…. Deve voltar ao seu lugar, ao mar e à praia!

Aguardavam com expetativa a saída do menino, que se tornara um detetive marítimo, colocando, irrequieto, a cabeça dentro e fora, sempre que o tubo que pusera na boca para respirar se entupia com a água.

– Cristóvão, chega! Anda para a toalha. Tens de secar, estás aí há muito!

– Só mais uns minutos, por favor, papá, só mais uns minutos…

Cristóvão não se fez desentendido por temer mais a autoridade do pai.

– Não é não. É horinha de sair!

Saiu da água a tremer de frio. Muito contrariado, disse:

– Dás-me um gelado ou uma bolinha com creme?

– Dou-te se te portares bem…

– Então eu não cumpri?

– Filhinho, deves cumprir não apenas para teres recompensas.

– Mas tenho direito ou não, papá?

– Tens, pois. Direitos e deveres. Logo vemos, mais perto do final da tarde, antes de voltarmos a casa.

Cristóvão sentou-se na cadeira de praia a secar, tirando a sopa de letras da mochila. Gostava de brincar com as palavras. Anacleta descobria significados que até então desconhecia, que nunca tinha ouvido antes das pessoas que vinham até à praia.

Leonilde e Deolinda conversavam, curiosas, como se assistissem a uma série televisiva de ação:

– A nossa amiga continua presa.

– Coitadinha da Anacleta.

– Coitadinha, não. Para quem tinha medo do desconhecido, está para ali armada em intelectual a ler a revista da peste.

– Não digas isso, pestinha é mais bonito! Faz muito bem em tirar alguns ensinamentos desta situação menos boa.

– Bolinhas, há com creme e sem creme, há pastéis de nata, pastéis de amêndoa… – anunciava o vendedor.

– Papá, sempre posso comer?

– É tão doce… Não comas, Cristóvão… – sugeriu a mãe.

– O papá prometeu-me e eu portei-me bem aqui sossegado…. Bolinhas, há com creme e sem creme… – repetia o pregão, por ficar no ouvido.

Os pais acederam, dizendo em uníssono:

– Está bem, apenas uma vez durante as férias todas.

Cristóvão pegou na bolinha, deliciando-se de imediato, deixando escorrer creme na concha, que lambia satisfeita.

– Ora, ora… A Anacleta está a sair da concha, Deolinda. Como prova o creme da bolinha!

– Curiosa e gulosa, quem diria!

– Estão a arrumar a tralha toda…. Vão sair da praia… ao menos levam o lixo…

– Não é hoje que a nossa amiga volta para junto de nós… Mas não percamos a esperança, amanhã é um novo dia.