O céu balançava na água que quase quebrava o barco. Agitadas ondas da tempestade iam-se formando no oceano. O vento encontrava-se com o vidro do quarto do Luís, com ares de poucos amigos, movendo-o de forma estrondosa.

Luís cobriu-se com os lençóis da cama até aos olhos, agarrado ao livro, para não o perder no naufrágio que se adivinhava. A mensagem devia continuar a espalhar–se, mesmo que não conseguissem terminar o caminho marítimo.

Até que viu um monstro gigante e horrível levantar-se do mar, partindo o vidro e chegando aos pés da cama:

– Não passarão, não passarão o Cabo das Tormentas! – abriu a boca negra ameaçadora com os dentes amarelos.

Luís encheu-se de coragem e respondeu:

– Eu acho que passaremos… Os meus pais confiaram no comandante.

– Não sabem com quem se metem, eu sou o Adamastor! – referiu, agitando os cabelos crespos.

– Não és assim tão importante…

– Como?

– Eu li o livro, mais do que uma vez nesta viagem. Sei que não és tão mau como queres mostrar-nos, pois passaremos o Cabo da Boa Esperança. Sou muito bom a geografia, sei o nome dos continentes, dos países, das capitais e das cidades. Faço um jogo com um amigo da escola e tudo…

Quase por magia, o monstro desapareceu no mar, tornando lento o barco andante.

Luís acordou do pesadelo. O sol chegou, de manhãzinha, como uma andorinha que anuncia a Primavera. O livro mantinha-se em ótimo estado, pousado na mesinha de cabeceira para navegar pelo mundo fora.

 

*

 

Atracaram o navio em Moçambique. Luís e Dinamene sorriam a mais uma paragem, apesar de sentirem a ondulação no corpo.

Luís conheceu, pela primeira vez, um poeta, uma pessoa igual a qualquer outra, ainda que na sua imaginação fosse diferente.

Chamava-se Zacarias, mais um amigo que ficou com o texto do livro, escrito pela própria mão. Deu ao Luís, em troca da maravilha, alguns poemas que sonhou levar um dia a Portugal.

Explicou-lhe que um poema nasce como o naufrágio e resiste ao tempo do naufrágio. Lições demasiado complicadas para um menino de oito anos…

De Moçambique seguiram para Goa, na Índia, onde falaram inglês e português. As ruas eram também parecidas com as de Portugal.

Luís encontrou-se com muitos rostos e sons de animais que dividiam o espaço com as pessoas. Cheiros e cores de especiarias preenchiam-lhe os sentidos, acabando por comprar algumas para oferecer aos pais.

Faltava-lhe, porém, conhecer o comandante do navio, que o manteve em segurança, procurando-o através de Dinamene, que ainda o acompanhava.

Um homem, de costas, comprava um livro no meio da multidão agitada.

– É o comandante do navio Lusíadas. – disse, assim que se aproximaram.

– A sério? Mas foi este homem que convenceu os meus pais a deixarem-me navegar com o livro…

– Sim, Luís. Ando à descoberta… O meu nome é Vasco. Creio que os teus pais já te falaram de mim.

 

Beatriz Meireles

Junho 2024