Um homem tocou à campainha da casa onde vivia um menino de oito anos. Assim que o Luís o viu da janela, chamou os pais para o receberem. Aprendera desde muito cedo que não devia abrir a porta a desconhecidos.

Os adultos conversaram no átrio durante uns instantes, despediram-se, trazendo depois os pais do Luís um livro dourado, que lhe entregaram.

Disseram-lhe:

– É para ti.

– Para mim? Mas eu nem conheço o homem que o trouxe…

– Nós conhecemos… – sossegou-o o pai, bem menos preocupado do que a mãe.

– E por que me ofereceu este livro?

– Ora bem… – a mãe procurava a resposta certa, ao perceber as dúvidas do filho – …é o livro mais importante de Portugal, um livro que existe para navegar…

– Um livro navegante?

– Sim, querido, podemos dizer que sim… Um livro navegante… – pousou-o na mesinha de apoio junto ao sofá.

Luís hesitava, não tocando no livro que, ainda assim, continha páginas de curiosidade.

– Como se chama o senhor, mamã?

– O seu nome é Vasco.

– Vasco? E é o quê?

– É o quê…? O que faz, dizes tu? Qual é a sua profissão?

– Sim, isso…

– Explicou-me que fazia muitas viagens de barco. Um navegador.

– Viagens de barco para que lugares?

– Para os lugares que quiser… Mar e terra, pelo menos a da costa.

– E vai sozinho?

– Não, vai com este livro tão especial… – referiu, abrindo-o e folheando-o calmamente, como um objeto de porcelana.

– Estranho que digas isso, mamã… um livro, mesmo que seja especial, não é uma companhia.

– Então não é, claro que é… – afirmou o pai.

– É, pois, Luís… os livros permitem-nos viajar sem sairmos do sítio, acredita em nós. E este livro, um dos maiores da língua portuguesa, talvez mesmo o maior, tem de ser levado pelo globo. Espalhado como pólenes de flores…

– Dizes literalmente?

– Digo literalmente. – riu-se.

– Quem o vai levar?

– Vais levá-lo tu, foste o miúdo escolhido pelo Vasco…

– Eu, papá… Eu não posso viajar sozinho!

– E por que, não? Já te explicámos que irás na companhia do livro e, tal como o Vasco, descobrirás novas pessoas, de diferentes continentes e países…. Acredita que é maravilhoso!

– Acho que tenho medo! O oceano é enorme, assustador!

A mãe olhou-o com ternura, já que, na verdade, receava que o filho passasse por dificuldades. No entanto, não poderia protegê-lo sempre. Deveria confiar no Vasco…

– Pois, eu também tenho.

– Também tens medo e vais deixar-me ir?

– Vou, sim. Não achas que a missão assim justifica?

– Bem, tenho algumas dúvidas, sempre me ensinaram a não falar com desconhecidos… Mas tudo bem, entendo que este é um livro muito bom, uma excelente companhia, que eu terei de dar a conhecer às pessoas do mundo inteiro… – Luís pegou no livro, sentou-se no sofá, abrindo-o com muito cuidado, continuando: – e que, por sua vez, me conhecerão a mim…

– Será fantástico! Hoje em dia, há tanta gente a entrar no nosso país, que nem estranharás…

– Diferente, queres tu dizer…Nem falam português…

– Com o livro, ensinas-lhes a nossa língua! Somos todos iguais na diferença, não achas, fofinho?

– Evidente… Uma pessoa é sempre uma pessoa, um golfinho é sempre um golfinho, mas ambos não são focas! – desatou às gargalhadas.

– Bem, parece que nos compreendeste…

– Peço-te que tenhas cuidado, que não te aproximes muito do bordo do navio e que à noite, antes de dormir, te lembres de nós.

– Lá estás tu, querida. Deixa a criança viver!

– Eu lembro-me sempre de vocês…

– Não te esqueças de colocar protetor solar, beber água, de ir para a cama a horas, tomar banho…

– Sim, sim… E de lavar os dentes…. Terá quarto de banho?

– Claro, quarto de banho, sala, quarto… Os barcos de agora não são como no tempo dos Descobrimentos…

– Perfeito. Mesmo que não seja como nesse tempo, parece-me que vai ser muito divertido. Descobrimentos de hoje, aqui vou eu!

 

*

 

Num dia de muita luz azul celeste, os pais levaram o Luís até ao cais. Vestia uns calções beges e uma t-shirt às riscas azuis e brancas, um autêntico marinheiro que embarcaria na alucinante viagem marítima na companhia de um livro, trazendo-o bem seguro na mão.

O pai arrastava a grande mala de rodas que percorria a calçada do porto, levando-a ao lugar do embarque.

A mãe disfarçava as lágrimas de saudade, sentindo que, na realidade, não o devia proteger para sempre. As frustrações também faziam parte da vida de uma criança e uma nova experiência, importante como esta era, ajudá-lo-ia a crescer.

A tripulação, em grande número, acenava à chegada do Luís, como pássaros brancos debruçados à janela de um telhado.

– Cumprimenta, Luís. É a tripulação do navio.

– Estou a ver, mamã. Quem são?

– Não sei, não os conheço… Terás de lhes perguntar como se chamam e que tarefas desempenham.

– Estará ali a cozinheira?

– Provavelmente, seu guloso…. Só queres saber da cozinheira…. Pensei que quisesses saber do capitão.

– O capitão é talvez a pessoa que menos se vê no navio durante uma viagem.

– Claro, querida. Tem de o levar a bom porto… Mas o nosso filho só quer saber de comida.

– Até parece que não o conheces…. Gasta depois tudo nas brincadeiras… Não sei como tem tanta energia.

– Ora, precisamente por gostar de comer… Pão, massas, gelados, tantas coisinhas boas!

– Vá, vamos ter juizinho com as asneiras que comerás durante a viagem. Nunca te esqueças da sopa, que é bem mais saudável.

– Sim, sim. Eu sei que os legumes me fazem mais forte, espinafres, brócolos, cenouras…

– Terás de os comer, se quiseres resistir com saúde a uma viagem tão longa.

– E se eu ficar com dor de cabeça ou dor de barriga? Puseste xarope na mala? Não me lembro de ter visto, mamã…

– Não, meu amor, não trouxe. Há médico e farmácia a bordo.

– Bem, estão a chamar-te… – informou o pai.

– Já?

– Sim, já ouvi o teu nome.

A mãe abraçou o Luís e o pai a mãe. Os braços prendiam os corpos unidos, como se parassem o tempo, largando-os em seguida para que os minutos voltassem a contar.

– Adeus, adeus Luís! Porta-te bem!

– Cuida do teu amigo livro! Fiquem bem!

Riram-se os três, com um certo nervosismo.

– Adeus, adeus, pais. Não se esqueçam de mim!

– Como podes dizer isso? Somos nós que costumámos dizer-te…. És o nosso menino mais lindo do mundo! – exclamou a mãe, retirando da carteira um lenço de papel para esconder a emoção.

– Adeus, adeus Luís!

 

Beatriz Meireles

Junho 2024