Escrevo. Sete ou dez ou doze ou vinte razões:
1.Para compreender:
A compreensão da vida surge sempre incompleta nas páginas dos livros que escrevemos, mas é o início da primeira linha.
2. Para tolerar:
O princípio da tolerância é quando ouvimos o outro. Os livros são ouvidos ainda mais atentos que nos ensinam a tolerar.
3. Para ser livre:
Escrevo. Única forma que tenho para ser assemelhada ao pássaro que fugiu livremente da gaiola.
4. Para cheirar e saborear:
Apenas gosto do cheiro a café, pois prefiro a todas as horas chá com palavras.
5. Para recordar:
Revisito nos livros os jardins da minha infância. De todas, as melhores memórias.
6. Para abraçar o que não posso abraçar:
Se eu pudesse, abraçava o céu inteiro de nuvens.
7. Para não morrer:
Como podemos ser imortais nos livros se todos somos heróis e o seu contrário?
8. Para dançar:
Por vezes, sou uma bailarina presa à caixa de música que apenas dança ao som das palavras.
9. Para fazer crescer bibliotecas:
Quando eu morrer, posso levar a minha, a tua biblioteca, pai?
10. Para ver o mar:
Beijo da mãe que sinto na face.
11. Para guardar:
Guardo a máquina de escrever do meu avô como uma coisa sagrada. Lembra-te de não a usares, filho.
12. Para me iluminar:
Também eu não gosto de estar às escuras. Prefiro a luz que reflete no rio cujas letras desaguam palavras.
13. Para viajar:
Os livros são álbuns de viagens, onde colamos todas as fotografias, as mais perfeitas e as menos nítidas.
14. Para voar:
Duvido dos sucessos alcançados, borboletas em metamorfose.
15. Para sentir:
Não sou uma pessoa insensível. As pessoas sensíveis reparam nos livros das outras bibliotecas e nas fotografias das mesinhas com os naperons redondos.
16. Para tocar e ouvir:
Toco no piano das letras para ouvir melhor.
17. Para viver:
A literatura e a arte elevam-nos.
18. Para continuar a amar a beleza das flores que secaram:
Em todas as ruas de flores, margaridas, camélias, miosótis, continuas a espreitar à janela, avó.
19. Para transgredir:
Nunca fumei um cigarro. O vício dos livros superioriza-me.
20. Para encarar o medo:
Temo os espelhos como as vetustas árvores dos jardins, silenciadores de desejos e de mentiras.
7 ou 10 ou 12 ou 20 razões para escrever… um texto de Beatriz Meireles